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Bebês com microcefalia, uma questão de Direitos Humanos

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09/02/2016 10h53

Vem-se propagando com muita força e ênfase uma solução final para os bebês com microcefalia


exatamente setenta e cinco anos atrás, Adolf Hitler enviava carta ao seu General
das SS, Reinhard Heydrich, determinando que este lhe apresentasse uma pronta solução
final para a questão judaica. Heydrich respondeu afirmando que os nazistas
deveriam destruir todos os judeus através de envenenamento, gás, fuzilamento,
atos aleatórios de terror, doenças ou inanição. Tudo, em centros de morte consistentes
em campos de extermínio estabelecidos no território polonês ocupado.

O
saldo desse holocausto, mais de um milhão de crianças, dois milhões de mulheres
e três milhões de homens judeus morreram nesses campos de horror. Anatoly
Shapiro, o primeiro oficial do exército soviético a entrar no campo de
concentração de Auschwitz, descreveu suas primeiras impressões sobre o que
encontrou em 27 de janeiro de 1945:

“Não
tínhamos a menor ideia da existência daquele campo. Nossos superiores não
disseram coisa alguma sobre ele. Entramos ao amanhecer de 27 de janeiro. Havia
um cheiro tão forte que era impossível aturar por mais de cinco minutos. Meus
soldados não conseguiam suportá-lo e me imploraram para que fôssemos embora.
Mas tínhamos uma missão a cumprir. Vimos algumas pessoas de pé em roupas listradas
– eles não pareciam humanos. Eram pele e osso, somente esqueletos. Quando
dissemos a eles que o Exército soviético os havia libertado, eles sequer
reagiram. Não conseguiam falar ou mesmo mexer a cabeça. Os prisioneiros não
tinham calçados. Seus pés estavam envoltos em trapos. Era janeiro e a neve
estava começando a derreter. Até hoje não sei como conseguiram sobreviver.
Quando chegamos ao primeiro pavilhão, estava escrito que era para mulheres.
Entramos e vimos uma cena horrível. Mulheres desnudas e mortas jaziam perto da
porta. Suas roupas tinham sido removidas pelas sobreviventes. Havia sangue e
excrementos pelo chão. Nos alojamentos infantis, havia apenas duas crianças
vivas. E elas começaram a gritar ‘Não somos judias! Não somos judias’. Elas eram
judias, mas estavam com medo de serem levadas para as câmaras de gás. Nossos
médicos as tiraram dos alojamentos para serem limpas e alimentadas. Abrimos as
cozinhas e preparamos refeições leves para os prisioneiros. Algumas das pessoas
morreram porque seus estômagos não podiam mais funcionar normalmente. Vi os
fornos e as máquinas de matar. As cinzas (dos mortos) eram espalhadas pelo
vento”.

Ao
final da guerra, a Assembleia Geral das Nações Unidas em Paris, aos 10 de dezembro
de 1948, através da Resolução 217 A (III) elaborou a Declaração Universal dos
Direitos Humanos, documento marco na história dos direitos humanos, para que
nunca mais se repita esse trágico capítulo da história universal. Em um de seus
considerandos, reza a Declaração:

“O
desprezo e o desrespeito pelos direitos do homem resultaram em atos bárbaros
que ultrajaram a consciência da Humanidade”.

Setenta
e um anos após o holocausto dos judeus, lemos em revistas, jornais, periódicos,
na internet e redes sociais que aviventam-se vozes propondo o livre direito ao
aborto em gestações de bebês com microcefalia. E mais do que isso, parece que a
microcefalia reabriu a discussão sobre aborto no Brasil de forma generalizada.

Noutras
palavras, vem-se propagando com muita força e ênfase uma solução final para os
bebês com microcefalia. Em verdade, uma solução para a sempre inoperância e ineficiência
do Poder Público no combate ao mosquito aedes aegypti, transmissor do vírus
zika, este causador da microcefalia. E, também, uma solução para a falta de
amor de alguns pais, disfarçada sob uma retórica nada convincente.

Aborto
necessário, praticado por médico, se não há outro meio de salvar a vida da
gestante é uma coisa, encontra previsão legal. Agora, aborto de bebês com
microcefalia, não havendo risco à vida das gestantes, é genocídio.

Ora,
o argumento de que a mulher não deve ser punida por uma falha das autoridades públicas
em controlar o mosquito transmissor da doença não autoriza o exercício do
direito de matar. Os bebês com microcefalia também são vítimas da falha do
agente público. Aliás, em muito maior grau, pois só eles sentirão a doença na
pele.

A
gestante poderá até vir a renunciar à maternidade, através da chamada entrega consciente
do bebê. Esclarece o Estatuto da Criança que “as gestantes ou mães que
manifestem interesse em entregar seus filhos para adoção serão obrigatoriamente
encaminhadas à Justiça da Infância e da Juventude” (§ Único, Art. 13). O dispositivo,
naturalmente, também vale para os bebês com microcefalia. Entretanto, a
gestante jamais terá o direito de decidir pela descontinuação dolosa de sua
gravidez, optando pela morte de seu filho.

Não
é por outra razão que o Código Civil, afinado com a Constituição Federal e os
tratados de direitos humanos subscritos pelo Brasil, garante que a personalidade
civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a
concepção, os direitos do nascituro.

A
suprema ilusão do feto perfeito não pode e não deve permear as aspirações de
uma Nação. Assiste inteira razão ao Apóstolo Paulo quando em suas cartas aos
Coríntios diz que sem amor nada seria: “o amor é sofredor, é benigno; o amor
não é invejoso; o amor não trata com leviandade, não se ensoberbece” (1 Coríntios
13:4).

O
amor não mata!

Não
se pode criar um ângulo ou um ponto de vista subjetivo sobre os direitos da
pessoa humana. Ou todos os seres humanos, indistintamente, são dotados do
sagrado e inalienável direito à vida, à liberdade e à igualdade; ou admitamos o
triunfo do totalitarismo, da homogeneização da sociedade, da ideologia da
superioridade racial.

Ao
contrário do asseverado, a questão dos bebês com microcefalia não deve reabrir
uma discussão sobre o aborto no País. Mas, sim, reafirmar o compromisso do
Brasil em promover a dignidade da pessoa humana, a prevalência dos direitos
humanos, o progresso da humanidade e, enfim, o bem de todos, sem preconceitos
de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

Carlos Eduardo Rios do Amaral é Defensor Público no Estado do Espírito Santo

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