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Frágil idade

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03/11/2017 20h32 – Por:Francisco Habermann

A fragilidade ( frágil idade ) pega a gente com o passar do tempo. O leitor que se cuide, portanto. Faço aqui um alerta baseado no que venho observando desde sempre. E algo me intriga – dentre outras, a indiferença pelos cuidados conosco.

Sei que os leitores são jovens ou mais jovens que este escriba, mas vale o alerta. O tempo é implacável com o corpo. Para preservá-lo, exigem-se cuidados permanentes. É o que recomenda a medicina moderna.

Aprendi isso com meus mestres.

Nunca me esqueço das lições do Dr. Geraldo Cassoni, ilustre e conceituado médico formado no Rio de Janeiro, atuante na região de Araraquara e Chefe do Distrito Sanitário de São Carlos. Sempre nos visitava na Faculdade de Medicina de Botucatu – UNESP, chegando a ministrar palestra aos internos daquele HC. Com sua longa experiência clínica exemplificava suas atuações profissionais com relatos curiosos que incluíam ensinamentos perenes. A começar pela interpretação dos sinais e sintomas, fundamental para o raciocínio clínico. Certa ocasião, contou-nos o relato de senhora já idosa que um dia chegara à sua clínica:

“Xé, dotô, tô cuma beliscação na vista que me dá inté vexame;

Um apertume no estomi, um baticum no peito e umas dorada no corpo todo.

Qué qui tenho, dotô? Tô morrendo?”

O dedicado médico cuidou com extremo zelo profissional daquela criatura simples, ela ficou boa e saudável, vivendo por muitos anos sem complicação alguma. Ele não foi indiferente às queixas dela. Interpretou-as e cuidou. O gesto do profissional dedicado é que me maravilhou e acalmou minhas inquietações íntimas de jovem aprendiz.

A resposta à pergunta da paciente, entretanto, só me veio, muito mais tarde, quando a idade chega no próprio corpo e, então, afloram as lições guardadas nas profundezas do espírito. Foi Cecilia Meireles ( Rio, 1901 – 1964 ) quem me respondeu:

Como se Morre de Velhice

Como se morre de velhice

ou de acidente ou de doença,

morro, Senhor, de indiferença.


Da indiferença deste mundo

onde o que se sente e se pensa

não tem eco, na ausência imensa.


Na ausência, areia movediça

onde se escreve igual sentença

para o que é vencido e o que vença.


Salva-me, Senhor, do horizonte

sem estímulo ou recompensa

onde o amor equivale à ofensa.


De boca amarga e de alma triste

sinto a minha própria presença

num céu de loucura suspensa.


(Já não se morre de velhice

nem de acidente nem de doença,

mas, Senhor, só de indiferença.) / Cecília Meireles, in ‘Poemas (1957)’

Francisco Habermann é professor da Faculdade de Medicina da Unesp de Botucatu. Contato: [email protected]

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