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Por que sou contra a reforma trabalhista e a favor da reforma dos empresários?

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19/07/2017 09h11 – Por: Dr. Nelson Pedro-Silva

Há certos aspectos que eu, como cidadão comum, não entendo.

Quando o governo da época instituíra o CPMF, surgiu forte movimento de oposição, a ponto de eu ter sido abordado por empresários e pessoas da classe média, para assinar pedido visando à abolição dessa contribuição.

O principal argumento adotado por eles e por economistas era o de que a citada contribuição consistia num imposto em cascata, o que levava ao encarecimento ainda maior dos bens de consumo, sobretudo os da cesta básica. Pois bem, 15 dias depois de decretado o seu fim, dirigi-me ao mercado onde costumava fazer compras e qual não foi a minha surpresa ao verificar que a maioria dos produtos, comprados por mim, tinha subido de preço.

Hoje, vejo situação semelhante em relação à reforma trabalhista proposta pelo governo do Sr. Michel Temer e seguidores. Eles querem flexibilizar e diminuir os custos dos empregadores com encargos trabalhistas. Não vou entrar no mérito dessa questão até porque não sou competente para dissertar sobre esse assunto.

Porém, recentemente deixei de ir a um hipermercado pela falta de operadores de caixa, o que me obrigava a ficar quase o dobro do tempo gasto para fazer compras, aguardando na fila para efetuar o pagamento. Sem contar que tinham desaparecido as pessoas que podiam me dar informações sobre a localização de determinado produto.
Também há pouco tempo, fui ao Banco e, para meu espanto, fiquei a esperar por mais de uma hora para ser atendido, a despeito de a Lei determinar que o tempo de espera deve ser de, no máximo, 15 minutos.

Situação análoga ocorreu quando dirigi-me à agência do INSS da minha cidade, localizada num mega prédio, completamente desocupado, enquanto a polícia judiciária paga aluguel para se manter em local julgado bairro de rico. Demorei 30 minutos para resolver o assunto; todavia, antes, tive que aguardar por mais de três horas para ser atendido.

Como se não bastasse, vou ao posto de combustível e, ultimamente, sou obrigado a ficar esperando o frentista, pelo simples fato de que no lugar de quatro funcionários para prestar atendimento, o posto só mantém dois empregados.

Vou à lotérica fazer minha “fé”, como se costuma dizer, e, na maioria dos dias está, com filas, a ponto de desestimular-me a quem sabe continuar a nutrir o sonho de algum dia ficar rico.

Paro em um posto/restaurante da Rodovia Castelo Branco, peço um micro café e uma pequena garrafa de água e me cobram R$10,80. Fiquei a pensar que esse valor era cobrado porque os funcionários ganhavam muito bem e tinham sido submetidos a cursos de treinamento. Contudo, ao conversar com alguns deles, descobri que ganhavam um salário mínimo. Diante disso, só posso pensar que o café foi adubado com ouro ou notas de dólar/euro e a água era proveniente dos Alpes Suíços.

E os aeroportos? O preço de um café e de um micro pão de queijo chega a ser tão indecente que fico sempre me questionando quem deveria ir para a cadeia: o garoto que entra em minha casa com o fito de furtar algum objeto, visando à compra de droga, ou o empresário, dono do estabelecimento, que vende um café ao preço de um pacote de 500 gramas do melhor “pretinho tupiniquim”.

Muitos empresários brasileiros deveriam deixar de ser hipócritas e assumir que estão preocupados apenas com a obtenção de lucro. Tanto é verdade que mesmo com quantidade aquém de funcionários, eles não investem na sua qualificação. A esse respeito, recentemente fui a um shopping center de plantas, localizado na capital paulista, e o rapaz de determinado setor – apesar de muito solícito – foi incapaz de localizar algumas mudas que lhe pedi. Eu mesmo, depois de ter dado duas voltas no corredor mostrei-lhe qual a planta, li a placa onde constava a informação, coloquei-as no carrinho de compras e, novamente, fui torturado pelo aguardo na fila do caixa para pagá-las.
Diante disso, penso que um dos problemas a impedir o crescimento brasileiro não são as leis trabalhistas. Talvez, sem elas, a situação seria pior. Digo isso porque a minha percepção é a de que a maioria do empresariado só pensa em lucro, a ponto de preferir tê-lo com a venda de poucas unidades do seu produto e com margem expressiva e indecorosa de lucro do que o contrário.

Curiosamente, presenciei tal aspecto até nas concessionárias de veículos. O atendimento tem ficado aquém do desejável e eu mesmo já desisti de comprar três modelos de automóveis por causa dele. A impressão é a de que as revendedoras estão a fazer um favor para mim. Quando indagados acerca de eles agirem assim, em uníssono me responderam que faltavam vendedores.

Maior balela, ainda, é o famoso argumento da negociação. Talvez seja eficiente para um ou outro caso. Para a maioria, é – ao lado da terceirização – o tiro de misericórdia nos trabalhadores.

Por que disso isso? Se até eu que sou concursado, regido por estatuto e tenho estabilidade no emprego, fui punido com suspensão, mesmo os punidores não tendo seguido minimamente o devido processo legal e sequer tenham levado em conta o mérito, fico a me perguntar o que não acontecerá com os meus irmãos brasileiros quando estiverem completamente desprotegidos, a bel prazer da iniciativa privada.

Escuto aqui e acolá que os funcionários não querem trabalhar, já ingressam na empresa pensando em como vai processá-la e por aí vai a ladainha. Não vou lhes tirar a razão porque realmente presenciei vários casos desse tipo. Acontece que há uma lei, não escrita, que não se deve pegar a exceção por regra. Sem contar que se os funcionários estão a agir assim é porque aprenderam com alguém. Os seus professores foram os próprios empresários, latifundiários, ex-nobres e políticos que instituíram e praticaram essa cultura do “levar vantagem em tudo”, com o mínimo de esforço.

Diante disso, não é “flexibilizando”, “reformando” ou “reestruturando as leis trabalhistas” que se resolverá essa situação. Como aprendi com meus pais e avós, a melhor escola é o exemplo, o modelo. Assim, que tal os empresários pagarem seus impostos, não buscarem corromper o Estado, pensar que o funcionário tem uma família? Que tal pensar que os seus funcionários necessitam ter um salário que os possibilite comprar um quilo de acém e algumas latas de cerveja para fazer o churrasco de domingo na laje? Que tal pensar que vez ou outra os seus funcionários desejam dirigir-se à Praia Grande? Que tal os trabalhadores terem nutrido o sonho que, se continuarem trabalhando, conseguirão subir na vida, mesmo sendo esta ideia falsa, como de que se você trabalhar bastante ficará rico? É evidente que ficará. Porém, certamente se enriquecerá de tristeza, de falta de perspectivas e de dores muscoesqueléticas.

POR ISSO, ESSA REFORMA TRABALHISTA SÓ VISA AJUDAR O EMPRESÁRIO A FICAR MAIS RICO, SEMELHANTE AOS AUTORES DE LIVROS DE AUTOAJUDA, QUE SÓ AJUDAM A SI PRÓPRIOS.

CONSIDERANDO ESSAS POUCAS REFLEXÕES, A MINHA PROPOSTA É A DE QUE O GOVERNO REFORME, ANTES DE TUDO, OS EMPRESÁRIOS E A SI PRÓPRIOS.

Colaboração de Dr. Nelson Pedro-Silva é professor da Unesp de Assis

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